Relatório aponta transformações e tendências no mercado de trabalho de energias renováveis e seus impactos para a classe trabalhadora
Escrito por: Bruna Provazi
Crédito da foto: Yasmin Thomaz/Divulgação CUT
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) apresenta o resultado final do estudo “Transição energética: diagnóstico situacional do trabalho nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil”. O relatório foi produzido pela CUT, por meio da Secretaria Nacional de Meio Ambiente, em parceria com o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
Diante dos efeitos cada vez mais profundos das mudanças climáticas, o tema da transição do modelo de energia tem alcançado visibilidade no debate público global. Mas qual o impacto dessa transição no mundo do trabalho e, sobretudo, na vida da classe trabalhadora? Essas são algumas das questões que o diagnóstico busca compreender, a partir da análise dos segmentos de energias de baixo carbono nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, no período de 2021 a 2023.
Para além do levantamento de dados sobre o mercado de trabalho e os investimentos no setor, o estudo ouviu diferentes atores locais envolvidos no processo: entidades sindicais, agentes públicos e privados e movimentos sociais. Por meio da realização de entrevistas, foi registrada a percepção de cada território sobre a agenda da transição energética.
No Eixo I, o relatório apresenta um panorama dos investimentos em energias renováveis na Região Nordeste, bem como seus impactos sobre o emprego, com ênfase nos segmentos eólico, fotovoltaico, biocombustíveis e hidrogênio verde. O Eixo II apresenta um estudo das dinâmicas econômicas que estruturam a atividade industrial na Região Norte, observando como tais dinâmicas afetam as relações de trabalho e o próprio mercado, em especial nos ramos solar e de biocombustíveis.
Em ambas as regiões, a transição do modelo de energia é percebida pelos entrevistados como um fenômeno movido pelos interesses do setor privado (do capital). Principalmente por conta disso, tem causado tantos impactos sociais, ambientais, políticos e regulatórios. Conforme constatado no diagnóstico, isso se dá em um contexto de muita fragilidade institucional das condições de controle e proteção social e ambiental, o que acelera ainda mais esses fluxos financeiros.
Região Nordeste
Devido aos altos índices de radiação solar e ventos fortes, a região Nordeste tem sido um terreno fértil para investimentos nos segmentos de energia solar e eólica. Reconhecida como um “corredor dos ventos”, a área emergiu como um espaço estratégico para o desenvolvimento de novos projetos de energia eólica.
Figura 1 – Corredor das energias renováveis no semiárido brasileiro. Fonte: Gustavo Sales (2020).
Nestes territórios, segundo observado pela CUT e pelo Ineep, o setor privado, em muitos casos, apoia-se na fragilidade de organização das comunidades locais e no respaldo do poder público para implementar relações contratuais assimétricas, sobretudo quanto ao uso da terra e à apropriação da riqueza gerada por esses empreendimentos.
Foram identificados ainda danos sobre a infraestrutura urbana e o meio ambiente local, além dos efeitos sobre comunidades, assentamentos, quilombos e povos tradicionais. As entrevistas destacaram, sobretudo, impactos específicos sobre as mulheres, saúde pública, mobilidade e restrição de espaços de participação e diálogo social.
A respeito do trabalho nos empreendimentos de renováveis, outro elemento destacado pelos entrevistados foi a utilização de práticas contrárias a organizações sindicais, entre elas: ações discriminatórias e abusivas (assédio e intimidações), cooptação de lideranças locais e pouco diálogo social com a comunidade. Tais empreendimentos também têm aprofundado um modelo de superexploração e precarização das relações de trabalho, tais como: terceirização, alta rotatividade, redução de direitos, descumprimento de acordos coletivos de trabalho e pejotização.
Segundo Daniel Gaio, Secretário de Meio Ambiente da CUT:
“O Nordeste tem se consolidado como um território estratégico para a transição energética do Brasil, com seu imenso potencial de energias renováveis, especialmente solar e eólica. No entanto, o estudo que divulgamos deixa claro que esse processo não pode ser guiado apenas pelos interesses do capital privado. Precisamos de um modelo sob coordenação do Estado, com participação social nesse gestão e que garanta a justiça social, regulando o uso da terra e protegendo as comunidades locais, que muitas vezes são deixadas à margem desses projetos. A transição energética só será verdadeiramente justa se for acompanhada de diálogo social, respeito aos direitos trabalhistas e proteção ambiental. O Nordeste pode liderar essa transformação, mas isso exige um compromisso firme com o combate à precarização do trabalho e à exploração de territórios e trabalhadores.”
Região Norte
A Região Norte e, mais especificamente, a Região Amazônica, é marcada por sua amplitude territorial e singular biodiversidade, mas também por sua diversidade cultural e complexidade econômica. Neste contexto, sua transição industrial e energética, assim como o desenvolvimento de suas múltiplas potencialidades socioeconômicas, também apresentam desafios estruturais.
Nesta região, predominam como fontes de energia os setores hidrelétrico, termelétrico e de biocombustíveis. Os atores ouvidos no diagnóstico relataram questões históricas como: o desmonte das políticas e infra estruturas estatais no segmento energético e seus impactos no crescimento dos conflitos fundiários; queda na qualidade e abrangência dos serviços públicos; encarecimento das tarifas energéticas locais; riscos no abastecimento regional e ampliação da insegurança energética. Assim como no nordeste brasileiro, ali, a dificuldade de organização e mobilização de entidades sindicais e sociais também aparece e, mais uma vez, associada à implementação de novos projetos energéticos.
Como explica Rosalina Amorim, Secretária de Meio Ambiente da CUT:
“O Norte do Brasil enfrenta desafios únicos no processo de transição energética, especialmente devido à sua vasta extensão territorial e à complexidade socioambiental da Amazônia. O diagnóstico que apresentamos expõe a urgência de diversificar a matriz, promovendo fontes renováveis que possam garantir segurança energética para as populações locais. No entanto, para que essa transição seja justa, é fundamental fortalecer as políticas de geração distribuída e assegurar que as comunidades, especialmente as mais vulneráveis, como povos tradicionais e assentamentos, não sejam prejudicadas pelos grandes empreendimentos. Precisamos de um modelo de desenvolvimento que promova a sustentabilidade ambiental e, ao mesmo tempo, reduza as desigualdades sociais, criando empregos dignos e respeitando os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.”
Para saber mais, leia o relatório completo “Transição energética: diagnóstico situacional do trabalho nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil”.
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